03/10/2011

Ponto Lastimável

Hoje acordei com um sentimento estranho. Levantei-me, tomei o pequeno-almoço, vesti-me e fui lavar os dentes. Comecei a pôr a base, depois a sombra, o rímel… olhei-me ao espelho e percebi: “esta não sou eu, o que é que estou a fazer?”. Foi então que decidi pôr tudo em pratos limpos. Estava completamente decidida a ter uma conversa séria com ele, a dizer-lhe tudo aquilo que sempre quis dizer, mas nunca tive coragem. Cheguei á escola e lá estava ele, com o mesmo sorriso de sempre, aquele que sempre me enlouqueceu; os grandes olhos castanhos em que me perdi naquelas tardes chuvosas; tudo voltou á minha mente (mais uma vez). Senti o coração apertado, depois o estômago, as pernas tremiam como a gelatina e comecei a ficar com as mãos suadas... Em poucos segundos sentia as lágrimas prestes a cair. Respirei fundo. Outra vez. E outra. E outra. Empurrei as lágrimas para dentro, como tanta outras vezes fiz, e cheguei ao pé da turma, disse os bons dias com um grande sorriso e reclamei “estou com sono”, tinha acabado de voltar atrás na minha grande decisão.
Ao longo das horas seguintes tentei conter as lágrimas, a raiva e a mágoa. Finalmente, Filosofia, a última aula do dia. Passados os 90 minutos, saí da sala em direcção ao portão da escola e dali, fui o mais depressa para casa. Erro: pus os fones nos ouvidos durante o caminho. Estava já na minha rua quando as lágrimas começaram a cair descontroladamente, á pressa corri para dentro do prédio, para o elevador, tirei a chave da mala, abri a porta e corri para o quarto. Apesar de saber que não estava mais ninguém em casa, reconfortava-me estar ali, no mesmo canto de sempre, abraçada á minha Minnie que sempre esteve comigo (sim, um peluche). A música continuava a tocar, as lágrimas continuavam a cair e, com a saudade que tinha dos momentos com ele, vieram as saudades da minha avó, da minha tia, da minha irmã mais velha, veio a saudade de quando ainda tinha uma família, vieram também atormentar-me todas as coisas que odeio em mim, tudo o que de mau me aconteceu… tudo ao mesmo tempo! Como se a vida dissesse “toma lá tudo de uma vez, agora, aguenta-te aí Cristiana! É bem-feita, mereces tudo o que te aconteceu.”. Tinha prometido nunca mais o fazer, mas aconteceu. Levantei-me num ápice, peguei na tesoura e fiz um (muito) pequeno corte na perna “este, é por seres gorda! Pára de comer”, disse a soluçar. Depois, um pequeno corte no pulso “deixa de gostar de quem não te merece, estúpida”. A seguir, outro corte no braço e disse “a culpa da tua família se ter afastado é tua, sempre os tomaste por garantidos, o teu pai perdeu o interesse, a tua mãe está a sofrer e a tua irmã desprotegida”. Sem dar conta disso, fiz três vezes o que tinha prometido a três pessoas não fazer, nunca mais. Imaginava a desilusão que essas pessoas iam sentir se me vissem naquele momento e as lágrimas ainda eram mais.
Não queria acreditar naquilo que me tinha transformado! Eu costumava ser alegre, divertida, verdadeira, confiante... e agora, tornei-me em alguém completamente diferente! Insegura, magoada, uma verdadeira actriz. Deixei-me ali ficar com os cortes abertos durante um tempo, quanto mais sofresse melhor. A culpa era minha, como até ele já deu a entender tanta vez. Porque não havia eu de sofrer (ainda mais) as consequências? As lágrimas continuavam a cair por todas as razões e mais algumas. As feridas que fiz pararam se sangrar e já estava imune àquela dor que percorria o meu corpo. Nunca pensei fazer isto. Sempre critiquei quem o fazia, dizia que era auto-destrutivo e no entanto, ali estava eu. Num canto do quarto a chorar, tinha-me magoado a mim mesma e posto as culpas de tudo o que aconteceu de mau em cima de mim. Sem as lágrimas pararem de cair, levantei-me e, apoiada na secretária, sentei-me na cadeira e fiquei a olhar para o vazio durante um bocado. Sentia-me como se me tivessem arrancado um bocado de mim, como se já não me conhecesse a mim mesma. Quando finalmente limpei as lágrimas que estavam a cair e as que aí vinham empurrei para dentro, levantei-me da cadeira e disse “amanhã tenho de levar biquíni para tomar banho depois de educação física, assim não se vê o corte ao pé da nádega”.

10 comentários:

Susan disse...

de nada querida *

Renata disse...

De nada*

Sofia disse...

oh meu deus juro-te que chorei agora!

patrícia disse...

não te cortes mais, estou a pedir-te!
eu sei o quanto é dificil, o quanto dói, mas temos de ser fortes.
já não basta a dor emocional que eles nos provocaram, ainda vamos provocar uma dor fisica a nos proprias?!
amo-te e estou aqui para tudo!

Sofia disse...

está lindo! (deves ter adorado ler isto, e agr deves estar tipo a repetir a leitura! -.- sim, eu disse mesmo isso) :$

alexandraa. disse...

não faças isso a ti própria! é muito difícil e dói muito mesmo, mas tens de tentar arranjar uma maneira de canalizar essa dor de outra forma! não te podes culpabilizar pelas decisões e erros dos outros, e muito menos magoar-te fisicamente a ti própria por isso! não faças isso por favor :x

eliana disse...

nao vale a pena fazeres-te sofrer a ti própria fisicamente. já é suficiente o que sofres. as vezes esse acto faz-nos como que "desabafar" os problemas, por nos estarmos a magoar. mas não muda nada. absolutamente nada. só trás mais dor. nada mais. não voltes a faze-lo. por ti.

r a q u e l disse...

até chorei a ler ;$
muito força querida, tudo se irá resolver, a culpa não é tua!

catarina disse...

pára de te cortar! não o faças, não achas que já estas destruida que chegue? não achas que já chega de dor?! pára com isso querida! pára de te magoar ainda mais, n vale a pena! por favor, diz-me que vais parar de te cortar e vais tentar lutar pela tua recuperação!

Beatriz disse...

Não sofras mais por aquilo que não merece a tua atenção. A vida continua...ela vai endireitando-se e não acaba assim que temos obstáculos à nossa frente! Sempre sabemos o melhor caminho para nós, procura o teu...Força*